Foi com a morte da velhota, a mãe de Nell, que as pessoas da vila, e em especial o médico, tomaram conhecimento da existência desta rapariga, que cresceu e viveu sempre isolada, sem qualquer contacto com outra pessoa que não a sua mãe. Desta forma, a Nell não foi socializada a partir da infância, como acontece com as crianças que vivem em sociedade, uma vez que foi levada a adoptar um modo de vida afastada da mesma e dos seus benefícios e inconvenientes, sem aquilo que todos aceitamos como fundamental – água canalizada, luz eléctrica, etc. -, sem os agentes de socialização que a levassem a adoptar os comportamentos padronizados reconhecidos e aceites pela sociedade. A revelação do modo de vida de Nell e sua mãe provocaram assim a curiosidade das pessoas, levando-as a quererem estudá-la como se se tratasse de uma simples cobaia de laboratório, ou socializá-la, mesmo que à força.
Uma vez que a criança ao nascer é um ser não cultural, pois a cultura não depende da herança biológica, a Nell era, aquando da morte da mãe, um ser praticamente culturalmente em branco. Pouco tinha apreendido da cultura ocidental – somente aquilo que a sua mãe (único agente de socialização) lhe tinha transmitido. O facto de o comportamento de Nell não ser instintivo, mas antes o resultado daquilo que a mãe lhe tinha ensinado – como o costume de ficar parada nas pedras em cima do rio a fazer movimentos «pouco normais» -, vem comprovar que o comportamento individual não é instintivo, mas sim o produto da socialização a que somos sujeitos e através da qual aprendemos os comportamentos padronizados associados aos papéis sociais que poderemos eventualmente desempenhar, e que fazem com que os nossos comportamentos sejam sempre, ainda que de forma inconsciente, comportamentos sociais.
Sendo a linguagem um dos constituintes da cultura, e um dos principais meios da sua transmissão, o facto da rapariga ter aprendido a linguagem distorcida da mãe, e de ter comportamentos que não eram considerados como próprios pelas outras pessoas, fazia com que ela fosse vista pelas mesmas como uma selvagem, uma verdadeira «estranha», pois não a identificam com os valores, normas e comportamentos do grupo em que estes estavam inseridos. No entanto, havia também aqueles que, como o médico, a tentaram entender e ajudá-la, mesmo que essa ajuda não implicasse a sua socialização à luz da cultura do seu grupo. A linguagem constituia também um obstáculo à compreensão do seu modo de vida pelos outros, o que releva a importância da mesma como factor de união e identificação cultural, de mecanismo de aprendizagem da cultura e de ponto de contacto entre as diversas culturas resultantes dos diferentes processos de socialização.
Por fim, embora à luz de uma socialização dita “normal” Nell seja uma selvagem, ela sofreu e continuará a sofrer um processo de socialização particular, na medida em que a sua mãe lhe transmitiu a cultura do seu grupo, ainda que não na totalidade, ensinando-lhe os seus valores, as normas decorrentes dos mesmos e os comportamentos aceites por si. A relação entre esta rapariga, o médico e a investigadora, na parte final do filme, pode assim ser abordada sob dois pontos de vista: em primeiro lugar, como exemplo de um processo de relação associativo, mais propriamente de cooperação, havendo, no entanto, a assimilação por ambas as partes de alguns aspectos culturais particulares; em segundo, como um exemplo de como deve ser o contacto entre culturas diferentes, resultantes de processos de socialização divergentes - partilha de experiências e conhecimentos pacífica, sem que esta dê lugar a uma assimilação de uma das culturas por parte de outra.