Sexta-feira, 28 de Abril de 2006
A Poluição das Palavras
 

A «poluição das palavras» é cada vez mais preocupante devido ao “aumento das suas emissões” pelos responsáveis políticos de todo o mundo, nomeadamente dos países desenvolvidos que são os únicos realmente capazes de pôr fim à grande maioria dos entraves ao desenvolvimento e dos problemas ambientais.

Muito embora tenham sido realizadas inúmeras conferências mundiais com o objectivo de alertar e encontrar estratégias para o combate a estes problemas e assinados muitos protocolos em que as nações se comprometem a contribuir para a sua resolução, a verdade é que estes instrumentos teóricos globais são muitas vezes ignorados quando se trata de passar à acção. Outras vezes, os tratados e protocolos resultantes destas cimeiras contemplam cláusulas previamente negociadas que permitem contornar os possíveis “incómodos” para os interesses instalados nos países de maior poder decisório (nomeadamente os económicos) ou, simplesmente, não contemplam os mesmos («o presidente norte-americano nada disse sobre as metas a estabelecer para reduzir as emissões do seu próprio país, o mais poluente do planeta.»). Há ainda outro método, muito em voga, para contornar obstáculos incómodos, que consiste em negociar os documentos resultantes das cimeiras e depois, simplesmente, não os ratificar.

Como forma de se redimirem, há aqueles que promovem acções para manobrar a opinião pública ou minorar os efeitos da inconsistência das suas políticas («Bill Clinton oferece175 milhões de contos para ajudar as nações em em desenvolvimento a reduzir as suas emissões»).

Perante este cenário, as questões que são levantadas parecem perfeitamente legítimas. A resposta a estas é que se afigura mais difícil: parece que estes resultados inconclusivos, cada vez mais frequentes na nossa cena internacional, resultam quer da irresponsabilidade dos países, que teimam em não tomar medidas concretas em resultado de uma má avaliação do impacto que os problemas desta natureza podem ter sobre todo o planeta, e não só a uma escala nacional ou regional, quer da incompetência e incapacidade técnica dos mesmos, na medida em que os problemas têm que ser resolvidos a uma escala global que pressupõe a implicação de todos os países, principalmente dos que possuem os meios técnicos e financeiros para essa mesma resolução, quer ainda, e principalmente, da falta de vontade e determinação em enfrentar os interesses instalados de uma minoria para a resolução de problemas que afectam a maioria e que, a longo prazo (mas cada vez mais curto), podem afectar toda a população mundial.



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publicado por Ana Silva Martins às 15:27
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Alqueva: Prós e Contras
 

O Alqueva é, realmente, o empreendimento, a realizar em Portugal, que mais polémica tem gerado.

Por um lado, aqueles que defendem a sua construção invocam os benefícios económicos que esta implica, como o aumento das zonas irrigadas e, portanto, das zonas cultiváveis, o aumento do turismo e essencialmente o aumento da qualidade de vida.

Por outro lado, os que se opõem à sua construção referem que esta provocará, devido à desmatação e desarborização necessárias para que a inundação das áreas circundantes não contribua para a contaminação das águas. Desta forma, provocará uma redução da biodiversidade desta zona e a extinção de algumas espécies. Da mesma forma, a deslocação de populações para fora das áreas de inundação provocou uma grande resistência das mesmas, que não queriam abandonar as suas casas, mesmo que fossem realojadas, nem deixar os terrenos onde, por exemplo, se situava o cemitério onde os seus antepassados tinham sido enterrados. Também ao nível arqueológico se constituíram focos de resistência, de forma a que as gravuras de Foz Coa não ficassem submersas.



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publicado por Ana Silva Martins às 15:26
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A irregular distribuição dos recursos hídricos em Portugal
 


A irregular distribuição dos recursos hidricos no nosso país está relacionada com a também irregular distribuição das zonas de maior precipitação que constituem zonas de relevo montanhoso. O escoamento da precipitação contribui para o aumento dos caudais dos rios e dos lençóis subterâneos, sendo portanto natural que as zonas áridas e com pouca vegetação, que têm em consequência disso reduzidos níveis de precipitação, tenham uma disponibilidade de recursos hídricos muito inferior às zonas montanhosas. Sendo o território do Norte e Centro de Portugal tendencialmente montanhoso, e o do Sul tendencialmente plano e com vegetação mais reduzida, verifica-se uma assimetria Norte-Sul na distribuição dos recursos hídricos.

O Plano Hidrológico Espanhol tem bastante influência na variação dos caudais dos rios luso-espanhóis uma vez que ao prever a construção de barragens e transvases nesses rios pode provocar uma diminuição drástica dos caudais dos mesmos, afectando a disponibilidade de água doce em Portugal e tendo inúmeras implicações ambientais e económicas. Daí que o Plano Hidrológico Espanhol devesse ter em conta o português e estar coordenado com este, de forma a garantir uma equidade no acesso a este recurso fundamental à sobrevivência das populações e ao desenvolvimento da actividade económica.

O Alqueva assume uma importância enorme no desenvolvimento do Alentejo na medida em que constituiu a única fonte de água numa distância considerável. Através da barragem do Alqueva, toda uma zona massacrada pela seca nos últimos anos poderá finalmente percorrer o caminho do desenvolvimento, pois as disponibilidades de água aumentam, o que se traduz em benefícios para as populações e para a agricultura (maior irrigação dos solos e melhores sistemas de rega que permitem o desenvolvimento de novos tipos de agricultura).

A construção de grandes barragens apresenta inúmeras vantagens, entre as quais o aumento da disponibilidade dos recursos hídricos através de um aumento do armazenamento de água e a possibilidade da sua utilização na produção de energia. Porém, apresenta também alguns inconvenientes, nomeadamente para a biodiversidade, na medida em que pode contribuir para a redução do número de efectivos de uma espécie, ou mesmo levar à sua extinção, quer porque as barragens constituem obstáculos ás migrações e livre circulação dos animais, quer porque, contribuindo para uma redução dos caudais dos rios, provocam uma descida do nível das águas.


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publicado por Ana Silva Martins às 15:26
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Souselas e a Co-incineração
 

A polémica relacionada com a co-incineração de resíduos industriais em Portugal, e no resto da Europa de forma similar, alcançou o seu expoente máximo com o «caso de Souselas». A razão genérica que esteve na base quer da decisão governamental, quer do movimento de protesto dos habitantes de uma das regiões afectadas, era a mesma: o combate a um problema do foro ambiental. Com efeito, a decisão do Ministério do Ambiente de avançar com a co-incineração fundamentava-se na necessidade urgente de dar um tratamento aos Resíduos Industriais Perigosos produzidos em Portugal que, tal como estavam, representavam uma enorme ameaça ambiental; o movimento de protesto fundamentava-se no facto de a solução escolhida não ser ambientalmente correcta, transformando a própria solução em ameaça.

Após a decisão do governo de avançar com a co-incineração, em 1998, instalou-se a polémica. Para levar a sua estratégia avante o governo sugeriu a criação de um Plano Estratégico de Gestão de Resíduos Industriais (PESGRI), a par da requalificação ambiental das localidades afectadas. Estas medidas serviriam para suportar a base argumentativa governamental ao longo de todo o processo: a urgência do tratamento dos Resíduos Industriais Perigosos.

De entre os argumentos que serviam de base ao movimento de protesto destacavam-se a «convivência» negativa que a população vinha mantendo com a cimenteira desde a sua entrada em funcionamento em 1974 (os estragos provocados nas casas pelas «explosões» da cimenteira, os frequentes «acidentes» na laboração da cimenteira, a constante poluição na via pública, a destruição da agricultura de subsistência, os problemas de saúde da população, etc.) e os perigos que a co-incineração poderia acarretar para a saúde pública, tendo havido, inclusivé, a apresentação de dois documentos justificativos do protesto. Aos argumentos da população de Souselas, juntavam-se outros baseados, sobretudo, na localização da co-incineradora. De entre as razões que eram apontadas para o não avançar da proposta governamental, destacavam-se: o facto de a co-incineradora ficar situada junto a um grande aglomerado populacional - Coimbra; a «desvalorização» a que estava sujeita a região centro, uma vez que esta, nunca representando custos políticos elevados para o partido no poder, à semelhança de outras situações anteriores era alvo de discriminação em termos de desenvolvimento económico e social, cabendo-lhe algumas das iniciativas mais impopulares, de que a co-incineração era exemplo; o facto de Coimbra ter um fraco tecido industrial, o que desaconselhava a sua escolha para o tratamento dos resíduos produzidos, sobretudo, em outras localidades. Para além destes argumentos que se prendiam, sobretudo, com a localização, verificava-se que as «palavras de ordem» eram bastante diversas, não havendo um consenso quanto às soluções a propor. Um outro argumento que foi ganhando peso ao longo do processo prendia-se com o facto de a co-incineração representar o tratamento de uma ínfima parte dos resíduos produzidos em Portugal - e apenas uma parte dos Resíduos Industriais Perigosos - reduzindo, desta forma, a escala do problema.

O movimento de protesto contra a co-incineração tem sido caracterizado por períodos diferenciados de contestação. Até ao presente momento, podemos identificar três desses períodos, de onde ressaltam as seguintes características fundamentais: no primeiro tempo, a insuficiência da reivindicação popular junto dos decisores governamentais traduziu-se num apelo ao saber de peritos, por forma a fundamentar a decisão; no segundo tempo, a posição tomada pela CCI, totalmente favorável ao avanço do processo de co-incineração, fez com que a contestação se fizesse, sobretudo, por via da controvérsia científica instalada; no terceiro tempo, o alargamento das análises científicas às questões relativas à saúde pública permitiram um reforço da associação que já vinha acontecendo entre parte da comunidade científica e o movimento de protesto, havendo uma aproximação inequívoca às principais preocupações das populações locais, muito embora o parecer do Grupo de Trabalho Médico (GTM) tenha garantido a inocuidade da co-incineração para a saúde das populações afectadas e referido que os riscos decorrentes da actividade de uma co-incineradora eram «socialmente aceitáveis».

Apesar de, desde o início, a contestação promovida ter sido acusada de localista, com o desenrolar dos acontecimentos, foram sendo estabelecidas pontes de diálogo e foram sendo suscitadas questões até aí inexistentes no nosso país. O movimento de protesto assumiu ainda uma posição de vanguarda ao posicionar-se contra a chamada «cultura tóxica», uma das questões actualmente mais em voga.

Toda esta polémica desviou as atenções da questão fundamental: embora houvesse contestação, o urgente era apresentar medidas e solucionar problemas, independentemente da fórmula ser ou não a mais correcta. Neste sentido, foi avançado que iriam apenas ser sujeitos a co-incineração os resíduos que não tivessem qualquer outra alternativa de tratamento (excluindo os óleos usados e os solventes orgânicos), o que reduziu substancialmente a proposta apresentada. Ficou ainda por decidir onde iria ser colocada a estação de tratamento dos resíduos que iriam ser sujeitos a queima e a definição concreta de quais seriam esses resíduos. Do lado do movimento de protesto continuam ainda a ser efectuados esforços no sentido de serem encontradas alternativas para os restantes resíduos.

Estando o processo ainda em curso, e tendo sido já desenvolvidas inúmeras articulações entre as diferentes iniciativas locais, tendo igualmente sido desenvolvidas algumas alianças de âmbito nacional, resta o envolvimento da sociedade civil e do Estado para que as mesmas reivindicações e iniciativas locais não se baseiem num princípio de tipo NIABY (Not in Anyboby’s BackYard), mas sim em verdadeiras preocupações ambientais e sociais que não tenham como principal objectivo o adiamento da resolução dos problemas por tempo indeterminado.



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publicado por Ana Silva Martins às 15:25
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A dependência portuguesa em relação à água espanhola
 

A dependência de Portugal em relação à Espanha, resultante do facto de 40% da água que dispomos ser proveniente deste país, poderá ter graves implicações ambientais e económicas no caso de o Governo Espanhol decidir aumentar a quantidade de água utilizada ou aumentar a construção de barragens e transvases em solo espanhol, que desviariam uma parte substancial dos caudais dos rios luso-espanhóis, contribuindo para a diminuição drástica da quantidade de água disponível em Portugal. Numa situação extrema, poderia mesmo dar-se um fenómeno similar ao que tem vindo a ocorrer no mar Aral, em consequência dos desvios de caudais relaizados sobre os seus afluentes.

No caso de se verificar esta diminuição dos caudais, ocorreria uma diminuição da biodiversidade existente ao longo do curso do rio, e nas zonas envolventes, principalmente nos estuários, naturalmente ricos em fauna e flora. A desertificação das zonas envolventes, com todas as suas implicações ao nível ambiental, seria outra implicação grave deste fenómeno. Ao nível económico esta diminuição teria também consequências negativas, na medida em que a diminuição da biodiversidade implicaria a redução da actividade pesqueira. Por outro lado, com a diminuição da profundidade das águas criar-se-iam novos bancos de areia, que tornariam algumas zonas inavegáveis, provocando uma diminuição dos transportes marítimos ao longo do curso dos rios, com toda a implicação que isso teria nas actividades económicas e, em especial,no turismo.

Por fim, tendo em conta que 40% da água que dispomos é proveniente de Espanha, a poluição das águas por este país provocaria uma diminuição drástica da água potável disponível em Portugal, e traria todas as implicações conhecidas da poluição das águas.



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publicado por Ana Silva Martins às 15:25
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Em que consiste o PNAPRI?
 

O Plano Nacional de Prevenção de Resíduos Industriais (PNAPRI) é um instrumento de planeamento da Administração Pública e também de todos os agentes económicos que tem como objectivo prioritário a redução da perigosidade e quantidade dos resíduos industriais. A prossecução deste objectivo passa não só pela aplicação de medidas e tecnologias de prevenção aos processos produtivos inseridos na actividade industrial (incluindo a valorização energética interna dos resíduos produzidos), mas, também, pela mudança do comportamento e da atitude dos agentes económicos e dos próprios consumidores.

O âmbito de actuação do PNAPRI restringe-se aos sistemas produtivos, ficando, portanto, excluídas a reciclagem e a reutilização e outras vias de valorização de resíduos fora destes sistemas. No entanto, tendo em conta que a resolução do problema dos resíduos sólidos passa obrigatoriamente pela sua minimização, o PNPRI assume uma importância incontestável e incontornável.

O Plano desenvolve-se por 23 medidas ligadas a 4 grupos (informação, Cultura Empresarial, Acção Governativa e Mercado e Sociedade), devendo ser materializado entre o período de 2000 a 2015. Pretende-se que o PNAPRI tenha um impacto considerável na redução dos resíduos industriais, nomeadamente, que, ao longo dos próximos anos, a quantidade e a perigosidade dos resíduos resultantes da actividade industrial evoluam tendencialmente para uma redução relativa, mas variável de sector para sector, atenuando ou mesmo anulando, em alguns sectores, o efeito de crescimento da produção industrial.



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publicado por Ana Silva Martins às 15:23
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Sábado, 22 de Abril de 2006
Pequeno Contributo para a Média Positiva

 

Em época de intensivas (mas necessárias) reformas na educação no nosso país, todos nós parte integrante do sistema educativo em Portugal devemos estar disponíveis para contribuir para o sucesso das mesmas. Daí que, após uma cuidada reflexão, decidi publicar os meus apontamentos e demais materiais de estudo neste blog. Este constitui o meu contributo mais imediato para tentar colmatar o previsível desastre que resultará do «fantástico» calendário de Exames Nacionais deste ano, e devido ao qual (mas não só) corremos o risco de voltar a ver noticiado, em dia de afixação de pautas, que mais uma vez as médias dos exames nacionais em Portugal foram negativas. Embora manifestamente insuficiente, fico esperançada que um qualquer aluno possa usufruir deste gesto e melhorar os seus resultados escolares.

 


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publicado por Ana Silva Martins às 23:59
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Sophia de Mello Breyner Andersen
 


A Palavra Poética em Sophia

 

Casada com Francisco Sousa Tavares, ambos encetam uma luta contra o salazarismo e apoiam Humberto Delgado em 1958.

Os seus poemas transfiguram uma realidade muito concreta, em que o amor da vida e da exigência moral encontra símbolos marinhos e aéreos, usados com uma força inspirada excepcional, para exprimir uma atenta e tensa vivência do sentido trágico da existência e do convívio humano com as coisas naturais.


A poesia de Sophia pretende ser impessoal, pois nela não encontramos registos pessoais, nem lamentações líricas de desespero ou de comoção. Como cidadã do mundo que é, pretende retirar da realidade toda a sua objectividade, por isso a sua obra é um exercício de simplicidade sobre as coisas concretas.


Numa atitude semelhante à de Alberto Caeiro, a poetisa abre os sentidos (sobretudo os olhos) às sensações que emanam da natureza e nomeia as coisas para lhes restituir a sua realidade concreta e precisa.

Contenção de tom, discreta fluidez, simplicidade muito pura da expressão.

É evidente na sua obra o afloramento de muitos valores e ideias eufóricos e disfóricos:

  • Concepção existencialista da vida (absurdo da «viagem humana», inquietação);

  • Valores da antiguidade clássica (harmonia, equilíbrio, poesia pura, justiça);

  • Função exemplar da literatura;

  • Noção do poeta como pastor do Absoluto;

  • Noção do Homem como o pastor do Ser;

  • Crença na verdade dos valores antigos;

  • O individualismo e o idealismo psicológico;

  • Originalidade e independência criadoras;

  • Problemática nitzschiana do instante;

  • Humanismo Cristão – deus faz parte do seu mundo; Deus é perfeição, beleza, bondade;

  • Reminiscências infantis;

  • Fidelidade a valores nórdicos;

  • Crença em valores sebastianistas e messiânicos;

  • A natureza – mar, conchas, búzios, polvos, ondas, espuma, areia/ vento, luar, árvores, pássaros, noite – simboliza perfeição e mistério, o reencontro individual com a solidão, o lugar de união com o que há de mais verdadeiro, livre e puro, é a fonte principal de inspiração;

  • A progressiva tomada de consciência dos problemas sócio-políticos levou-a a incluir conteúdos sociais e éticos na sua obra;

  • Quando fala de injustiça e de desigualdade social, empresta a esses conteúdos a mundividência humanista cristã proveniente da sua formação religiosa e das noções clássicas de harmonia e equilíbrio.

  • A cidade aparece associada à confusão que impede o caminho da procura da perfeição, da harmonia e do equilíbrio clássicos. É a este equilíbrio que se associam a justiça e a verdade;

  • Certas composições poéticas suas são interpretações de obras de arte ou homenagens a outros poetas e artistas, sendo de realçar o seu fascínio por Fernando Pessoa;

  • O tempo é também tratado, surgindo um «tempo dividido» entre o presente e o futuro, sendo o presente o responsável pela construção do futuro. Em oposição, ressalta um «tempo absoluto» que se reflecte na natureza, no mar, no infinito.

Poesia = Belo

  • A poesia é uma “perseguição” do real, ou seja, o real é o seu ponto de partida;

  • A poesia constrói, pelo rigor e verdade que transmite, uma moral – Segundo Sophia, o poema é sempre uma construção de rigor e de verdade, e todo aquele que é sensível à beleza de um poema não pode deixar de ser sensível à injustiça e à ordem falsa do mundo. Mesmo aqueles poemas que apenas falam da luz ou do ar são sempre um meio de denunciar a injustiça e o sofrimento do mundo.

  • A poesia deve ser um meio para atingir a liberdade e a dignidade do ser – recusa a ideia da «arte pela arte», sublinhando que meso o artista que escolhe o isolamento, pela sua produção artística “influenciará necessariamente, através da sua obra, a vida e o destino dos outros”, porque “pelo simples facto de fazer uma obra de rigor, de verdade e de consciência, ele irá contribuir para a formação de uma consciência comum”.



A Temática


1. Os Quatro Elementos Primordiais

A sua poesia mantém permanentemente uma relação especial com a natureza, nomeadamente com os quatro elementos primordiais. A água (mar, espuma, praia), o ar (vento, brisa, sopro), o fogo (sol e luz) e a terra (natureza, fauna e flora) constituem a “perfeição do universo”, daí que Sophia, como poeta, um medianeiro do Absoluto, deva procurar a compreensão da agitação cósmica, e apreender uma realidade pautada pela pureza, perfeição e harmonia.

Elemento poético: o mar, a noite, a floresta.

A natureza é uma das principais fontes de inspiração, conotada de significados diversos: tanto funciona como elemento poético (o mar, a noite, a floresta) como contém a verdade antiga das origens e do futuro; tanto se liga à ideia de beleza, pela sua perfeição e variedade de cores, como aparece associada ao mistério (sereias, nereides, ninfas, ilhas, pássaros estranhos e cores nunca vistas). Contém a verdade antiga das origens e do futuro.

Por outro lado, e quase paradoxalmente, a noite é “o espaço imenso que lhe consente visões em que pode satisfazer a sua sede de libertação pelo sonho, de partida para as viagens mais imprevistas, pelo imaginário e longínquo, da captação dos segredos adormecidos na memória.

1.1 – A Natureza Marítima

Símbolo de totalidade, infinito, vida, eterno movimento, aventura, transparência e abundância: MAR

Espuma, brilho, praia, areia, água, ilhas, ninfas, sereias, ondas, conchas, búzios (muitas vezes fazem parte de imagens da infância e da juventude – reconstituição nostálgica de um passado)

A natureza marítima está mais conotada com o mistério, ligada àas origens da vida e, simultaneamente, do movimento progressivo para o futuro.

Relacionada com o mar – a praia – que representa o início, a transição para o mar, para a aventura... Ligada ao mar aparece, também por vezes, a luz (o reflexo e a cor) como símbolo de transparência, de pureza e harmonia.

1.2 – A Natureza Terrestre

Os elementos terrestres aparecem com muita frequência relacionados com a riquíssima memória do passado: infância e adolescência – jardim e casa. O mundo passado reconstitui-se através da memória: tempo recuperado.

Jardim Perdido = beleza; pureza dos dias vividos; passado de sonho e fantasia.


2. A Cidade

Espaço em que a paisagem foi destruída para dar lugar ao betão e ao asfalto...;

Conotação negativa;

Representa a destruição da natureza, a substituição do natural pelo artificial (mas o homem parece não ter consciência disso);

Falso paraíso da artificialidade, da mentira, da hipocrisia (diferente da pureza da natureza).

«Há cidades acesas».


3. A Injustiça e as Desigualdades Sociais

O sentimento de justiça associa-se à noção clássica de equilíbrio, harmonia universal sem a qual nem o Homem nem o Poeta se podem realizar plenamente.

Denúncia corajosa da opressão, do silêncio, do obscurantismo, da alienação, da miséria, da hipocrisia, da perfídia e da degradação que se viviam em Portugal em plena ditadura. O poeta denuncia as injustiças, mesmo que de forma irónica, como salienta o poema “As pessoas sensíveis” («As pessoas sensíveis não são capazes/ De matar galinhas/ porém são capazes/ de comer galinhas»).

Procura da Justiça e da Verdade em todos os planos da vida.

«Porque» - são visíveis as referências à solidão e à marginalidade daquele que “luta coerentemente pela justiça com as armas da justiça, dizendo a verdade e não utilizando a contraviolência”).



Características Estilísticas

Captação do real por meio de sensações que, por vezes confundindo-se, originam sinestesias. A poetisa transfigura tudo através da imaginação. As metáforas e as imagens constituem o fascínio do seu mundo artístico irreal, daí a plurissignificação e a ambiguidade tão próprias dos seus poemas.

A rima serve para criar beleza fónica, mas também para realçar certas palavras chave do poema.

A pontuação é pouco utilizada de forma a não tolher a imaginação e o sonho.

Discurso figurado com recurso a símbolos e alegorias.

Uso de certas palavras dotadas de grande simbolismo e magia: praia, jardim, justiça, mar, casa, luar, sol, água, vida, morte, areia, terra, estrelas, beijo.

Liberdade de ritmo e métrica.


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publicado por Ana Silva Martins às 20:44
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Miguel Torga
 


A Dimensão Poética Torguiana: perfil literário e estilístico


Pseudónimo literário do médico Adolfo Correia Rocha, nascido em 1907 em Trás-os-Montes e falecido em Coimbra em 1995.

Torga é a designação regional (transmontana) da «urze» - denuncia a vinculação do artista à raiz telúrica original. Miguel aproxima-o de nomes como Cervantes e Unamuno, apontando desse modo para uma abertura do transmontano a horizontes ibéricos e mesmo universais.

Fez parte do grupo Presença e dirigiu com Branquinho da Fonseca a revista Sinal e, mais tarde, a Manifesto. Contudo, o seu temperamento independente e quase agressivo depressa o afastou da associação a quaisquer grupos literários. Institui-se, portanto, no nosso panorama literário como um caso isolado.

Na sua obra vastíssima contam-se os mais variados géneros: Poesia, Peças de teatro, Narrativa, Impressões de viagem, Diário.

Torga é um escritor que se situa no concreto e está ligado ao húmus natal. A sua obra é ele e a natureza, ele e Portugal.

É um lírico que fala de si, se exibe e reabilita Narciso como o homem que se busca numa imagem inteira.

A presença dos outros é condição de plenitude, mas também de incompreensão, de isolamento forçado, motivo de ressentimento e de amargura.

É o impulso afectivo que faz dele o poeta da comunidade.

Torga é simultaneamente o poeta da angústia e o poeta da esperança. Angústia provocada pela ausÊncia de Deus ou do divino nos homens, pela morte. A esperança é a resposta da vida que em nós continua a latejar. Por isso, o humanismo de Torga consiste numa lição de juventude. O poeta denuncia, ilumina, constrói.

À falta de conflito espiritual preciso, Torga encontrará nas múltipla ocasiões de embate ou combate com a realidade histórica, humana ou natural, o motor constante da sua dinâmica poética («Dies Irae»).




Temáticas


1. O Desespero Humanista

Grandes agonias humanas da década de 30.

Agonia, desespero, face a um mundo suspenso dos grandes poderes e da impensável capacidade de destruição. Amargura resultante da observação dos defeitos e vícios do povo português e de descer ao mais fundo do seu ser e de se encontrar consigo mesmo.

É frequente verificar-se que o desespero dá lugar à esperança, principalmente porque Torga, como poeta, é chamado a gritar a sua solidariedade humanista com todos os que são abandonados, competindo-lhe a ele, lançar-lhes na alma a chama da esperança, uma espécie de luz que se acende na imensa noite.

Mito de Orfeu: Torga compara a descida de Orfeu aos Infernos para ir buscar Eurídice, com a descida que o próprio faz ao mais fundo de si, ao inferno do seu ser, onde enfrentou o medo, a vergonha e o assombro. O mito de Orfeu é muito querido a Torga por retratar a rebeldia de quem não aceita os limites que lhe são impostos («Orfeu Rebelde» exemplifica o humanismo de um revolucionário).

«Dies Irae» e «Orfeu Rebelde».


2. A Problemática Religiosa (a revolta da imanência humana contra a divindade transcendente)

O drama de um homem que se sabe mortal, que não aceita a morte, que tenta dialogar com um Deus que não o ouve e com o qual está em conflito permanente.


Torga não aceita o facto de Deus ter criado o homem, de lhe ter dado algo de divino, a vida, para depois o precipitar num percurso inevitável de degradação física que o leva à morte. Daí a sua revolta constante contra um Deus, que considera cruel e impiedoso, um Deus de quem o sujeito poético se afasta irremediavelmente, nunca, no entanto, o negando.

 A ausência de um Deus mais humano e imanente é o que realmente perturba o poeta – prefere questionar a verdade de Deus para afirmar o homem e a necessidade de este procurar a verdade na terra.


Deus não é um palavra morta na sua poesia e esta o testemunha de mil maneiras, quanto mais não fosse pelo seu uso constante.

Negação da transcendência de Deus e a obsessão da sua presença – por sentir constantemente as provações da vida, própria e alheia, é que torga entra em conflito interior, causando-lhe o desespero religioso que o leva a um constante monólogo com Deus, palavra que assume como uma obsessão.

O afastamento progressivo Eu/Deus acaba por ser o resultado da necessidade de escolher entre uma transcendência prepotente, ameaçadora, constrangedora e uma imanência (o homem) quente e criadora.

Para além da racionalidade religiosa, a liberdade é para Torga um impulso que não receia confrontos ou limitações.

O homem tem de recusar todas as normas que invadem ou limitam a sua liberdade (mesmo Deus).

Indecisão face ao Absoluto, ao sagrado (por um lado teme-o, por outro afronta-o).

Por um lado nega Deus para melhor assumir a realidade humana; por outro, Deus não é uma palavra morta. É quase uma obsessão.

A revolta e o protesto.

A angústia e o desespero.

Percepção da condição humana (estrutura intersectada de claro-escuro) – porque o homem não é uma natureza, mas uma condição, um drama e uma acção, são a revolta e a recusa que o identificam. A afirmação do humano é a negação do divino.

«Cântico da Humanidade» (“Hinos aos deuses, não./ Os homens é que merecem/ Que se lhes cante a virtude.”)


3. A Dimensão Telúrica (o mito de Anteu)

A terra, a vida e o homem são os três agentes distintos, originais e originários da cosmogénese torguiana. O elemento primordial é a terra, o ventre telúrico de cujo útero, na origem dos tempos, emanaram os primeiros homens, os primeiros arbustos e os primeiros caniços (ou seja, a própria vida).

 A terra, mãe de todas as coisas e a mais perfeita delas todas, é uma constante da sua obra.


É na terra que a vida acontece e é aí que se deve cumprir. A terra surge, assim, como um ventre materno e a tarefa do homem é orientar-se para esse sentido criador, genesíaco (daí o vocabulário empregue).

Segundo Torga, o homem deve ser capaz de realizar-se no mundo. Deve unir-se à terra, ser-lhe fiel, para que a vida tenha sentido e o sagrado se exprima.

Amante de Portugal - verdadeira paixão pelas origens. O telurismo de Torga exprime-se no seu apego à terra, na sua fidelidade ao povo, na sua consciência de ser português.

Ama o povo «concreto» e não o povo abstracto e idealizado.

Perdido num século de perplexidades e angústias, é na terra que busca a sua identidade.

 «Devo à paisagem as pocas alegrias que tive no mundo. (...) Os homens só me deram tristezas. Ou eu nunca os entendi ou eles nunca me entenderam (...) vivo a natureza integrado nela, de tal modo que chego a sentir-me, em certas ocasiões, pedra, orvalho, flor ou nevoeiro. Nenhum outro espetáculo me dá semelhante plenitude e cria no meu espírito um sentido tão acabado do perfeito e do eterno.» (Diário II)


“Abandonado” por Deus, revoltado contra uma divindade que não o compreende, o sujeito poético de Torga volta-se para a terra, para o húmus natal. É aí que ele vai buscar a força interior para enfrentar as adversidades da vida.

A sobrevalorização da terra chega mesmo a aproximar-se da heresia.

Tudo provém e desemboca na terra (telurismo). O próprio poeta vem da terra e a ela regressa.

O espaço geográfico – Trás-os-Montes – é tratado por Torga como a busca da sua identidade, aquele que o ajuda a encontrar o seu próprio eu e a conhecer-se melhor, onde retempera as suas energias, tal como Anteu as retemperava em Geia, que lhe concedia novas forças. A terra é o refresco da alma, o refrigério do seu desespero, a confidente-ouvinte, que o ouve e aconselha nos seus dramas interiores de um eu obstinado e rebelde.

Entra em comunhão com o pastor e o camponês.

Utiliza frequentemente palavras ou expressões alusivas à terra para expressar a busca e o encontro consigo próprio.

O seu apego à terra fá-lo evocar o mito de Anteu.


Anteu – figura da mitologia grega e romana, filho da deusa Terra, onde ia buscar forças para derrotar todos quantos se aproximassem da costa líbia. Foi derrotado por Hércules, que, tendo descoberto a origem da sua valentia, o ergueu do chão, durante uma luta, impedindo, deste modo, que este sugasse a energia que o alimentava.

«Sempre que, prestes a sucumbir ao morbo do desalento, toco uma destas fragas, todas as energias perdidas começam de novo a correr-me nas veias.»

«S. Leonardo da Galafura» (a “divinização” da terra é mais evidente, até porque se opõe a uma “eternidade” supostamente divina e sem brilho); «Ibéria».


4. A dimensão ontológica do acto poético

«Eu hei-de ser poeta até morrer. Hoje, quando escrevo, sinto o mesmo tremor emocionado do primeiro dia. Para mim, o acto de criar é ontológico; a criação tem um carácter sagrado.»

O poeta é um criador e, como tal, tem o poder de criar uma outra realidade diferente do “negro desespero” do presente.

Alargamento do conceito de poeta (um simples artífice das palavras) para o de alguém que se revela pelo seu empenhamento na transformação da realidade, que o envolve.

«Canção do Semeador» (“O Poeta é uma criança/ Que devaneia”) e «Majestade» (“Passa um rei – é o Poeta.”).



Estilo/linguagem

Estilo eloquente, mas sóbrio.

Palavras de inspiração genesíaca, tais como fecundar, germinar, seiva, sémen e parir, e invocações báquicas: vinho, mosto, cacho. Existe outra zona de inspiração, traduzida por palavras como sonho, ilusão, aventura, Deus, mito, lua, estrela, astral.

Uso de palavras ligadas à terra.

Presença de imagens de cunho cristão, litúrgico e pagão

Recurso a símbolos helénicos e bíblicos.

Uso frequente de figuras de estilo como a imagem, a metáfora e a repetição.

Irregularidade métrica, estrófica e rimática.


Simbologia

MAÇÃ (MACIEIRA) – utilizada simbolicamente em muitos sentidos diferentes mas que se aproximam, como, por exemplo: o pomo da discórdia e o pomo de ouro que são frutos da imortalidade; a maçã comida por Adão e Eva... Fruto de ciência, de magia e de revelação, representa a manutenção da juventude, a renovação e frescura perpétua, a fecundidade, a vida e a pureza.

SOL – elemento fecundador, masculino. Fonte da luz, do calor e da vida. Os seus raios representam as influências celestes – ou espirituais – recebidas pela terra.

CARVALHO – Árvore sagrada, é investido dos privilégios da divindade suprema do céu, atraindo o raio e simbolizando a majestade. Indica solidez, força, longevidade e altura, tanto no sentido espiritual como material. Instrumento de comunicação entre a Terra e o Céu.

FONTE – o seu simbolismo é expresso pela nascente que jorra no meio de um jardim, ao pé da Árvore da Vida, no centro do Paraíso Terrestre. Esta é a fonte da vida ou da imortalidade, ou ainda, a fonte do ensinamento. Pelas suas águas sempre novas, a fonte simboliza o perpétuo rejuvenescimento. Símbolo de maternidade, nas culturas tradicionais é a origem da vida, do génio, do poder e da felicidade. Para os gauleses as fontes tinham a propriedade de curar as feridas e reanimar os guerreiros mortos.


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publicado por Ana Silva Martins às 20:40
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Felizmente Há Luar! (Luís de Sttau Monteiro) II
 

Personagens


    • Personagens do Poder: São personagens-tipo. Longe de evidenciarem a coesão do poder, eles são a prova de que existiam vários interesses em jogo na regência do reino (os da nobreza, os da Igreja e os dos oficiais ingleses) – A questão que temos para resolver (...) consiste em chegarmos a acordo acerca da pessoa que mais convém que tenha sido o chefe da conjura (pg.65) - . As classes dominantes temiam os movimentos liberais que punham em causa a rígida hierarquia tradicional do reino e constituíam uma ameaça aos privilégios a que estavam habituados.

D. Miguel Forjaz (poder político/nobreza):

  • Protótipo do pequeno tirano, inseguro e prepotente, de carácter calculista, cínico e maquiavélico, avesso ao progresso, insensível à injustiça e à miséria;

  • É a personificação da mediocridade consciente e rancorosa. (Sousa Falcão pg. 134);

  • Orgulhoso da sua origem nobre, despreza o povo, demonstrando, assim, um carácter antipopular.

  • Homem de gabinete, defensor do absolutismo, sente-se ameaçado pelas ideias de liberdade.

  • É o representante da falsa caridade cristã: é um cristão de Domingo.Todos os dias dá a um pobre pão que lhe baste para se preservar vivo até morrer de fome (pg. 135)

  • Utiliza uma linguagem adequada à sua posição de homem de Estado e no seu discurso resorre a argumentos convincentes que servem as suas conveniências;

  • Todo o seu discurso gira em torno de uma lógica oca e demagógica, construindo verdades falsas em que talvez acabe mesmo por acreditar;

  • Opõe-se ao progresso por razões meramente pessoais;

  • Primo de Gomes Freire, odeia-o e teme-o já que ele poderá pôr em causa o seu lugar no poder, uma vez que reconhece no General qualidades que ele próprio não possui. Pauta-se por sentimentos de falsidade e hipocrisia, que o levam a condenar, sem provas, o general, capaz de abalar o regime “podre” em que vivia.

  • Profere a frase Felizmente há luar...

  • Os argumentos do «ardor patriótico», da construção de «um portugal próspero e feliz, com um povo simples, bom e confiante, que vivia lavrando e defendendo a terra, com os olhos postos no Senhor», são o eco fiel do discurso político dos anos 60.

Principal Sousa (poder religioso):

  • Hipócrita e com falta de valores éticos, paternalismo falso e beato;

  • Defende um Deus feito à imagem e semelhança dos homens;

  • Pretende manter o povo na ignorância para poder exercer a sua tirania, para mais facilmente o moldar, vivendo atormentado com o aumento da alfabetização.

  • Preocupam-no também as ideias revolucionáriasliberais francesas, uma vez que a sua divulgação poria em causa o poder eclesiástico.

  • Simboliza o concluio entre a Igreja, enquanto instituição, e o poder e a demissão da primeira em relação à denuncia das verdadeiras injustiças;

  • Através dele são demonstrados todos os vícios da Igreja e as contradições entre a palavra que se apregoa nos púlpitos e os actos que se praticam – dá esmola aos pobres e condena à forca os que pretendem acabar com a pobreza, (...) condena a mentira em nome de Cristo e mente em nome do Estado -.

  • A linguagem que utiliza coaduna-se com a sua condição de homem fanático e membro da Igreja (terminologia de sentido teológico). É uma linguagem estereotipada, igual a qualquer outro eclesiástico da altura.

  • É igualmente possível detectar nas suas palavras os fundamentos da política do orgulhosamente sós dos anos 60: Enquanto a Europa se desfaz, o nosso povo tem de continuar a ver, no céu, a cruz de Ourique.

Beresford (poder militar):

  • Cínico e controverso, é um mercenário inglês, hipócrita, egoísta e insensível;

  • Representa o domínio do exército inglês em Portugal.

  • Assume o processo de Gomes Freire não como um imperativo nacional ou militar, mas apenas motivado por interesses pessoais – a manutenção do seu posto e da sua tença anual.

  • Não perde a oportunidade de zombar do Principal Sousa e provocá-lo com o seu discurso sarcástico – Preferia certamente que me exprimisse em latim? (pg.59).

  • A sua posição face a toda a trama é nitidamente de distanciamento crítico e irónico, acabando por revelar a sua antipatia face ao catolicismo caduco e ao exercício incompetente do poder, que marcam a realidade portuguesa.

  • A linguagem utilizada é frequentemente sarcástica, especialmente quando fala com o Principal Sousa. As suas réplicas são curtas, incisivas, manifestando o desprezo que esta personagem sente pelos outros governadores.

  • Personagens do antipoder: formam um grupo destacado, revelando-se ao longo da acção fiéis aos seus valores e a si próprios, unidos pela amizade e fidelidade a Gomes Freire.

Gomes Freire de Andrade:

  • Segundo o próprio autor, ele «está sempre presente embora não apareça».

  • Esta personagem ganha existência somente na fala das outras personagens.

  • Assume uma importância fulcral no desenvolvimento da acção, pois influencia o comportamento de todas as outras personagens, tornando-se o centro das suas preocupações e ansiedades.

  • Homem culto, instruído, letrado (um estrangeirado), militar que lutou pela honestidade e justiça até às últimas consequências.

  • Grão-mestre da Maçonaria, símbolo da modernidade e do progresso, adepto das novas ideias liberais e, por isso, considerado subversivo e perigoso para o poder instituído.

  • Amado pelas personagens que aspiram à liberdade, à abolição do regime absolutista instituído.

  • Odiado e considerado persona non grata por aquelas que vêem a sua presença como uma ameaça aos privilégios até então obtidos.

Matilde de Melo:

  • Personagem forte, com grande densidade psicológica, carregada de simbologia;

  • Mulher corajosa, defensora da sinceridade, denuncia a falsidade e a hipócrisia do Estado e da Igreja. Luta por causas perdidas – justiça, lealdade, valentia.

  • Companheira de todas as horas de Gomes Freire, do ponto de vista afectivo, manifesta-se uma mulher apaixonada que vai tomando consciência da inevitabilidade do fim do seu companheiro, ainda que eivada de esperança, culminando num estado de delírio, alucinação, face à perda iminente do seu homem.

  • As suas falas, imbuídas de dor e revolta, constituem também uma denuncia da falsidade e da hipocrisia do Estado e da Igreja.

Sousa Falcão:

  • É o amigo fiel de todas as horas de Matilde e Gomes Freire.

  • Sofre em uníssono com Matilde a condenação do General que teve a coragem de “dar a cara” nas situações mais difíceis.

  • Nutre uma grande admiração pelo General e pelos princípios que ele defende. A sua morte leva-o a reflectir sobre si próprio, sentindo-se culpado por não ter o mesmo destino que este, não ter a coragem de o acompanhar até ao fim. Fosse eu digno da ideia que de mim mesmo tinha, e estava lá em Baixo, (...)ao lado de Gomes Freire(...) As ideias (...)[dele] são também as minhas, mas ele vai ser enforcado – e eu não. (pg. 139/137)

Frei Diogo: É inocente, sensível e compreensivo à dor. Constitui-se como o símbolo do antipoder dentro da Igreja – Se há santos, Gomes Freire é um deles.


  • Personagens do Povo:

Manuel e Rita:

  • Símbolos do povo oprimido e esmagado, têm consciência da injustiça em que vivem, sabem que são simples joguetes nas mãos dos poderosos, mas sentem-se impotentes para alterar a situação.

  • Vêem em Gomes Freire uma espécie de Messias e daí, talvez, a sua agressividade em relação a Matilde, após a prisão do General, quando esta lhes pede que se revoltem e que a ajudem a libertar o seu homem.

  • A prisão de Gomes Freire é uma espécie de traição à esperança que o povo nele depositava.

  • Acabam também por simbolizar a desesperança, a desilusão, a frustração de toda uma legião de miseráveis face à quase impossibilidade de mudança da situação opressiva em que vivem.

  • A sua linguagem apresenta descuidos gramaticais e aforismos.


  • Traidores: Representam os denunciantes que vendem informações ao Poder em troca de dinheiro. Homens sem escrúpulos, de personalidades mesquinhas, que não respeitam os seus próprios códigos morais.

Vicente:

  • Personagem modelada, que revela evolução – passa do povo para os traidores.

  • Elemento do Povo, trai os seus iguais, chegando mesmo a provocá-los, apenas lhe interessando a sua ascensão político-social.

  • Falso nas palavras, nas atitudes e nos gestos, que encena e estuda como se fosse um membro da nobreza, à qual desejava ter pertencido.

  • Revela-se o popular mais consciente da situação miserável em que vivem, sobretudo quando apresenta as razões pessoais que o levam a aliar-se ao regime vigente e a transformar-se em delator.

Morais Sarmento e Andrade Corvo:

  • O primeiro é capitão do exército e atormenta-se com o facto de o poderem rotular de traidor.

  • O segundo é oficial e preocupa-se somente com o dinheiro que vão receber, não se importando com o que dele poderão dizer.

  • São os delatores por excelência, aqueles a quem não repugna trair ou abdicar dos ideais, para servirem obscuros propósitos patrióticos.



Importância das Didascálias, Sonoplastia e Luminotécnica


Importância das Didascálias:

Em Felizmente Há Luar! As indicações cénicas assumem especial relevância quer pela abundância quer pelos pormenores que transmitem.

Há dois tipos de didascálias:

  • As que surgem em itálico e entre parêntesis dão as indicações acerca de:

* Caracterização das personagens;

* Tom com que as palavras são pronunciadas;

* Sentimentos que lhes estão por detrás e intencionalidade das mesmas;

* Movimentação das personagens em palco;

* Efeitos de luz e som.

  • As didascálias laterais, mais longas e apresentando minuciosas descrições. Têm um carácter mais subjectivo e limitam o papel do encenador. A sua função é:

* Complementar as falas das personagens;

* Levar o leitor a compreender melhor a história;

* Colocar o espectador como testemunha.


Tendo em conta a situação política dos anos 60 e tendo Sttau Monteiro consciência de que só muito dificilmente a sua peça seria representada em Portugal, as didascálias laterais funcionam quase como linhas de leitura que orientam a interpretação do público/leitor. Reveladora deste aspecto é, por exemplo, a didascália inicial, que aponta claramente para a interpretação a seguir.


Luz e Som:

Os momentos fulcrais da acção e os comportamentos mais relevantes das personagens são sublinhados pela incidência e/ou ausência de luz, que o clarão final da fogueira constitui o ponto fulcral.

Objectivos do recurso à luminotécnica:

  • Alteração do local da acção;

  • Mudança de cena;

  • Progressão no tempo;

  • Destacar personagens e acompanhar as suas movimentações no palco;

  • Delimitação de espaços;

  • Criação de ambientes de maior intimidade ou intensidade;

  • Criar efeito de distanciação entre a plateia e a cena;

  • Proporcionar ao espectador uma visibilidade selectiva.


O recurso às marcações de som está também ao serviço da intenção do autor, ainda que não sejam tão frequentes como as de luz. Importa salientar no 1º Acto o rufar dos tambores, som ameaçador e que obriga ao silêncio, e no 2º Acto o som dos sinos, que acompanhando o crescendo da aflição de Matilde, começam a ouvir-se ao longe e o seu ruído aumenta de intensidade.


Aspectos Simbólicos


O título Felizmente Há Luar!:

A frase que dá título à obra é proferida por duas personagens de “mundos” diferentes – por D. Miguel, símbolo do poder, e por Matilde, símbolo da resistência -, adquirindo sentidos diferentes consoante a perspectiva de cada uma das personagens.

  • D. Miguel

      • exprime o desejo de que a execução do alegado chefe da conspiração e de todos os seus seguidores seja uma demonstração da força da regência que não consentirá futuras rebeliões.


Lisboa há-de cheirar toda a noite a carne assada (...) e o cheiro há-de-lhes ficar na memória durante muitos anos... Sempre que pensarem em discutir as nossas ordens lembrar-se-ão do cheiro... (pág. 153)

      • A execução terá lugar à noite, altura do dia que simbolicamente se liga ao mal, ao sofrimento e à morte. Sabemos que se prolongará pela noite, o que nos sugere a longa duração do suplício dos condenados: É verdade que a execução se prolongará pela noite, mas felizmente há luar... (pág. 153)

      • D. Miguel deseja que este castigo exemplar seja iluminado pelo luar. Como todas as pessoas o poderão ver será eficaz o efeito dissuasor da execução.

  • Matilde de Melo

  • A morte de Gomes Freire será a motivação necessária para o povo se revoltar contra os opressores.

Julguei que isto era o fim e afinal é o princípio (...) Olhem bem! Limpem os olhos no clarão daquela fogueira e abram as almas ao que ela nos ensina!(...) Felizmente, felizmente há luar! (pg. 164)

  • O facto de Sttau Monteiro ter colocado esta expressão no final da peça não se deve ao acaso. Com isso pretende não só transmitir uma mensagem de esperança como também confere uma certa circularidade à obra. A morte de Gomes Freire não é um fim mas o início de uma nova era.


A Fogueira:

  • A fogueira não era destinada à execução de militares. No entanto, Gomes Freire, após ser enforcado, foi queimado. Contudo aquilo que inicialmente é aviltante acaba por assumir um carácter redentor.

  • O fogo associa-se ao sagrado, a algo purificador e regenerador. O seu poder de destruição é interpretado geralmente como meio para o renascimento numa esfera mais elevada. Desta forma, a morte na fogueira simboliza a purificação, a morte da “velha ordem” e o ponto de partida para um mundo novo e diferente e poderá sugerir que a destruição é necessária para que renasçam a força e a determinação capazes de conduzir o povo inerte e impotente à luta pela sua liberdade. Assim, ainda que o final da peça seja trágico, ela marca a glorificação de um momento de luta pela liberdade.

  • As palavras de Matilde: Aquela fogueira há-de incendiar toda a terra (pg. 161) têm um tom profético, uma vez que a execução dos alegados conspiradores teve uma profunda influência no surto de uma consciência liberal, servindo para estimular futuras rebeliões, visto que os opositores do regime se convenceram da tirania dos governantes e da impossibilidade de conseguir, por meios pacíficos, quaisquer modificações na situação. Estas rebeliões culminaram com a Revolução Liberal de 1820.


A Lua:

  • Representa a noite, a infelicidade, o mal, o sofrimento, a morte e o castigo.

  • Representa, por outro lado, a luz, a vida, a clarificação, a renovação, a transformação e o crescimento. Desta forma, a execução que se perpetua à luz do luar poderá remeter para a transformação, para a renovação de uma sociedade que se pretende justa e liberta da tirania dos poderosos.


O Verde:

  • Associa-se à renovação anual da Natureza. É a cor da vida, da regeneração, da esperança, da longevidade e da imortalidade.

  • No dia da execução Matilde veste uma saia verde, que o marido lhe oferecera em Paris, para esperar o companheiro após a morte (Foi para o receber que eu vesti a minha saia verde!). A cor da saia liga-se, então, à esperança de que o martírio do General não tenha sido em vão, à esperança do reencontro depois da morte e à crença de que aquele amor é imortal.


Moeda de cinco reis:

  • Simboliza o castigo/condenação mas também a esperança/libertação.

  • Assinala o reencontro de personagens em busca da História, por um lado, e é o penhor de honra que Matilde, emblematicamente, usará ao peito, como “uma medalha”.


Tambor:

  • Símbolo de coacção psicológica nas personagens do povo;

  • Marca a presença das forças opressivas/opressoras;

  • Remete para a destruição operada pela guerra;

  • Cria um ambiente de medo, ameaça e morte;

  • Símbolo do poder temporal.


Sinos:

  • Poder de purificação;

  • Evocação da morte;

  • Símbolo do poder espiritual;

  • Comunicação entre o céu e a terra.



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publicado por Ana Silva Martins às 20:39
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